Nídia Regina de Sá fala a ARII sobre seu livro "Angolanidade na Educação"
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- Publicado: Segunda, 28 Novembro 2016 13:01
Em entrevista à ARII, a professora Nídia Regina Limeira de Sá, atualmente na Universidade Federal do Rio Janeiro, fala sobre o lançamento do seu livro “Angolanidade na Educação – Fazeres lúdicos, Investigativos e culturais”, pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), a ocorrer nesta terça-feira, 29 de novembro, 2016, às 16h, no Hall do Centro de Convivência do setor Norte do Campus Universitário
ARII - Conforme diz em seu livro, o convite para auxiliar no Projeto Pedagógico chegou no momento em que realizava estágio pós-doutoral. A senhoria poderia falar um pouco sobre essa trajetória acadêmica, ou seja, explanar sobre o doutorado (tese, local, quando, por meio de qual programa de pós-graduação) e como se deu o “gancho” para o pós-doutorado?
Nídia Regina - Este livro traz a minha pesquisa do estágio pós-doutoral realizado no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que aconteceu enquanto eu atuava no Programa de Pós-Graduação em Educação da Ufam. A ideia para realizar esta pesquisa surgiu no momento em que eu preparava projeto de pesquisa a ser apresentado ao PPGE/UFBA. Estava iniciando a leitura do embasamento teórico específico, que tratava do tema da ludicidade, e, naqueles dias iniciais, recebi um telefonema de um amigo que estava nos Estados Unidos, preparando-se para ir a Angola porque ele iria fazer um trabalho de apoio à escola que a ONG, na qual ele trabalha, ajudou a construir em Luanda. Eles prestam um eficiente serviço social, mas ele me disse que estava esgotado, e que sentia muito o fato de que muita gente aplaude o que ele faz, mas, pouca gente se dispõe a colaborar. Eu perguntei sobre o que eu poderia fazer? Ele me respondeu que necessitava de alguém que ajudasse a fazer o Projeto Pedagógico da escola. Imediatamente tive a ideia de modificar o projeto do estágio pós-doutoral e ir até lá para desenvolver o Projeto Pedagógico com os professores da escola, mas tendo como base a perspectiva lúdica, cultural e investigativa - que era a mesma com a qual eu iria trabalhar no projeto de pesquisa anterior.
ARII - Do problema “qual a importância dada a fazeres lúdicos, investigativos e culturais em processos educacionais escolares em Luanda-Angola atualmente”. A senhora diz ao final do livro que Angola tem dado pouca importância... Qual sua avaliação quanto à contribuição de seu trabalho haja vista os problemas que inviabilizam ações educativas lúdicas, investigativas, culturais, democráticas e de boa qualidade em Angola?
Nídia Regina - O que eu observei foi que o angolano tem uma escola muito formal, parecendo um quartel militar. Isto é uma contradição, pois, ao contrário, aquele é o povo mais alegre e lúdico que eu conheço. No entanto, quando chegam na escola, transformam-se: ficam formais, sérios, com discurso elaborado, com o tônus muscular enrijecido... Na escola, a ludicidade acaba, parece que a alegria se esvai... O objetivo da pesquisa foi o de colaborar com o debate acerca do papel da Educação no desenvolvimento do sentimento de angolanidade. Procurei identificar artefatos culturais angolanos presentes em processos educacionais e analisar procedimentos lúdicos, investigativos e culturais em atividades educacionais; creio que o meu trabalho contribuiu para fazer os angolanos valorizarem mais a sua cultura e entenderem que não precisam retirar da escola o que têm de melhor: sua alegria, sua oralidade, seu movimento, sua cosmovisão, sua dança, sua arte...
ARII - Na sua opinião qual o principal entrave para a implantação de uma proposta pedagógica lúdica, investigativa e cultural em Angola?
Nídia Regina - Aquele conjunto de povos que se denominam hoje de “angolanos”, têm uma difícil e inusitada história de luta e desafios, e, por terem sido feridos por guerras civis fraternas, ainda relacionam-se com muitas desconfianças, por isto, digo que ainda estão construindo sua “angolanidade.” Segundo um autor angolano chamado Zau, a angolanidade é o “somatório cultural de todos os grupos sociais conhecidos ou não, que alguma vez tenham afluído ao solo pátrio (angolano)”.
São muitas etnias e muitos processos sociohistóricos diferentes que compõem hoje o povo angolano, assim, um entrave a uma proposta pedagógica lúdica, investigativa e cultural em Angola é a falta de valorização da multiplicidade de suas próprias culturas e a admiração exagerada pelas tradições do colonizador. A escola angolana tem dado pouca importância aos fazeres lúdicos, aos fazeres investigativos e pouco tem utilizado sua riqueza cultural. O aspecto lúdico aparece recorrentemente na Educação Infantil (nas classes de Iniciação), mas, nas demais classes, os estudantes vão paulatinamente sendo enquadrados num estilo “militarizado”, assim, a escola angolana tem marginalizado o lúdico, e, por consequência, marginalizado o perfil infantil da criança. Os aspectos da ludicidade, da oralidade, da autoridade e da concreticidade eram aspectos valorizados na tradição angolana, mas não mais aparecem com frequência nos cotidianos das escolas. Características da cultura angolana não têm se traduzido em fazeres lúdicos e investigativos na escola, pelo menos não de modo que a caracterize. Atualmente, alguns dos aspectos tradicionais são utilizados de maneira a prejudicar, não a colaborar com o processo de ensino-aprendizagem, como é o caso da autoridade, que tem gerado uma escola altamente formal, com poucas oportunidades de investigação (individual e em grupos).
ARII - Como criar uma identidade nacional diante do multiculturalismo existente em Angola? É possível a construção de uma identidade angolana sem o reconhecimento e valorização de uma cultura própria? Enfim, a senhora poderia falar sobre isso.
Nídia Regina - A construção de uma identidade angolana e o reconhecimento e valorização de uma cultura própria acontecerá quando eles próprios se conscientizarem dos fundamentalismos e rigores que estão na escola, mas que tiveram origem no processo de colonização e que são também consequências da guerra e da injustiça ainda presente. Quando os profissionais angolanos virem seus limites, mas, também valorizarem as culturas angolanas, despertando a ludicidade e a criatividade de professores e alunos, a alegria poderá estar na base de seus projetos pedagógicos e o sucesso será seu fruto.
ARII - Sobre os depoimentos, o que mais lhe chamou a atenção. É possível identificar um ponto em comum entre eles?
Nídia Regina - Os depoimentos são bastante sofridos, porque há apenas 14 anos o país se livrou da guerra civil, e isto após séculos de colonização. A cultura angolana sofreu golpes mortais, por isto, precisa ser valorizada e as línguas divulgadas e preservadas, sob pena de se perder um patrimônio imaterial precioso da Humanidade! Algo que ficou muito claro, para mim, é que Angola precisa consolidar a sua independência e valorizar suas culturas tradicionais, respeitando seus filhos – quer sejam adultos, jovens ou crianças – e colocando-os no caminho do conhecimento e da liberdade. Todos os angolanos precisam participar da reconstrução de seu país – e não apenas uma elite.
ARII - Toda a história de Angola aponta para um país que está diante da superação de problemas sociais, econômicos, políticos e educacionais. Um povo sofrido que precisa se reconhecer, a impressão é que o povo Angolano está diante de um rio intransponível e que a educação holística do ser humano (matéria e espírito) seria o único transporte capaz de conduzir à construção de uma nova Angola. Assim, qual seria o seu depoimento como educadora acerca do que a senhora chamou de "angolanidade na educação"?
Nídia Regina - Do sentimento de angolanidade depende o sucesso da Educação, por outro lado, é justamente a Educação que pode fazer com que o sentimento de angolanidade seja difundido e fortalecido. A escola é um ambiente perfeito para construir diálogos construtivos, interpretativos e críticos, desenvolvendo um trabalho analítico e propositivo, tendo como pano de fundo a busca de maior compreensão sobre as crises sociais que influenciam os processos educacionais e afetam o cotidiano escolar. Meu desejo é que o fazer pedagógico investigativo/especulativo, lúdico e cultural, possa transformar a sofrida escola angolana, colaborando para ressaltar histórias, cores e risos que lá já existem, mas que se encontram ofuscadas. Assim, este trabalho foi feito com a expectativa de que sirva como um elo que fortaleça a parceria entre Angola e Brasil – até porque são nações irmãs, considerando o doloroso processo de colonização destas duas nações pelos mesmos colonizadores.